Finalmente, a remodelação.
Negada primeiro, anunciada depois. Entretanto, falada, comentada, desejada, pressionada. Aconteceu agora. Tarde demais para alguns, indispensável para muitos, desnecessária para tantos.
Consenso - se nisto de escolhas e destituições de ministros pode falar-se de consenso - é que não. Por mim - e estou à vontade para o referir - não lhe chamaria remodelação.Chamava-lhe antes acertos de ocasião. Porque não se pode falar de remodelação se se anuncia paralelamente continuidade na acção.
O que muda afinal numa remodelação governamental perguntar-se-á? Apenas a personagem que encarna o titular?Entendamo-nos. A estabilidade governativa, que estava a ser ameaçada por uma crescente onda de contestação social, terá sido para muitos a causa próxima.Porque, concorde-se ou não com as medidas tomadas pelo ministro Correia de Campos, são inegáveis a sua determinação e coragem - ao jeito aliás de José Sócrates - patenteadas em variadíssimas situações de turbulência contestatária.Medidas que atingiram em muitos casos o povo, exactamente no sítio onde mais lhe dói: a Saúde, pasta sensível de difícil e complicada gestão. Insuficientemente explicada segundo o Presidente da República, ou mal aplicada como pretendem muito dos seus detractores, a verdade é que, o ministro, no fio da navalha é certo, lá ia levando a sua Cruz que - era visível - lhe pesava cada vez mais! Claro que tinha para o ajudar a levar a Cruz da Saúde, não o Cireneu de que nos fala a Bíblia, mas do próprio Primeiro-ministro que, ainda 24 horas antes, lhe garantia publicamente apoio político e institucional.
Que se passou então? A meu ver, houve aqui alguma cedência à contestação de rua e a alguma imprensa verrinosa e incisiva. Que Sócrates seja sensível às críticas, e aos apelos populares só lhe fica bem. Demonstra como todos os homens inteligentes que sobre determinado assunto ou causa, perante novos dados é capaz de mudar de opinião. E é com toda a sinceridade e admiração que lhe presto esta homenagem reveladora de postura verdadeiramente democrática e actualizada.
Não obstante compreender e tolerar esta decisão do Primeiro-ministro, não concordo. Não concordo porque acabou por ganhar a contestação de rua contra a coerência e o impulso reformista perdeu intensidade.
Mas não ficaram por aqui os acertos governamentais. Também a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, atingida por igual medida cedeu o lugar a um ilustre filho de um igualmente ilustre cidadão de Matosinhos, em tempos apoiante da candidatura de Mário Soares à Presidência, membro do Rotary Club de Matosinhos, médico e fundador do Jardim Escola João de Deus.Tive oportunidade de publicamente reconhecer elevado mérito à acção da ministra da cultura, agora exonerada. Considero mesmo que, face aos meios disponíveis, produziu um excelente trabalho.A sua saída só pode ser interpretada à luz de um princípio, discutível como alguns princípios, mas passível de forte sustentação. Isabel Pires de Lima foi sacrificada a uma estratégia política que o tempo se encarregará de demonstrar.
A sua saída tem que ver com o que se passa na Câmara de Lisboa.É que, em política há momentos que são adequadamente inconvenientes para a concretização de medidas equacionadas ao longo dos tempos.
Como este, em que parece ter havido excessiva preocupação na colagem, ou na aproximação do Governo ao Bloco de Esquerda.
Explico melhor. Esta “remodelação” visa, por um lado reforçar a solidez do acordo entre Alberto Costa e o Bloco de Esquerda no seio da Câmara de Lisboa.
Por outro lado, preparar terreno para que, em caso de necessidade, o Bloco de Esquerda possa ser uma boa muleta para uma solução de futuro. Fica o caminho aberto...
Porque digo isto?O novo ministro da Cultura é um homem próximo do Bloco de Esquerda. Conheço-o muito bem; colaboramos em consonância, no movimento e no processo do “Sim” ao aborto, denominado “Movimento de Cidadania e Responsabilidade pelo Sim”.Logo, esta nomeação constitui de alguma forma um cheirinho a Bloco de Esquerda na equipa governamental, o que traduzido em jeitos, se ajeita ao que são, ou podem vir a ser, as necessidades ou intenções de António Costa.
Naturalmente que não está, nem poderia estar, em causa a capacidade intelectual ou profissional do novo ministro da cultura, como nunca foram postos em causa equivalentes atributos da antiga ministra.Não pretendo situar a apreciação que faço nestes parâmetros. Acontece que, tenho memória, sou um cidadão atento, e prezo-me de saber interpretar com alguma precisão as movimentações políticas nacionais.
Assim sendo, é com absoluta convicção que reforço os pontos de vistas que defendo nesta crónica. Correia de Campos viu, com surpresa, tirarem-lhe o tapete. Isabel Pires de Lima foi injustamente descartada e a sua substituição tem a ver com a criação de respostas a necessidades políticas de futuro. Veremos como, em próximos capítulos, esta apreciação encaixa na perfeição.
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