quinta-feira, 18 de março de 2010

Muito mau para ser verdade!

Encontrei-me esta semana com um grande amigo. Trata-se de uma figura de dimensão nacional, gestor, que já foi ministro por várias vezes e com quem já não conversava longamente há algum tempo.
Vem isto a propósito de algo que me deixou visivelmente preocupado, depois de ouvir atentamente a opinião que me transmitia sobre o quadro político nacional, sobre a vida político-partidária e a “radiografia” económico-social do país.

Afirmou-me este meu grande amigo, de forma pausada, sentida e profunda: “se não tivesse uma relação tão profunda com o meu país, a minha família e os meus amigos, saía daqui”.
E explicou-me bem, aliás de forma exaustiva, os motivos que o levavam a fazer esta afirmação.
A descredibilização das instituições, de alguns titulares de órgãos de soberania, da Justiça, a forma como se faz política em Portugal, a permanente crispação entre os cidadãos e os titulares, o debate banal, apenas com a preocupação do efeito mediático, a sobreposição do supérfluo ao essencial, a mediocridade instalada e generalizada, a política do favor, do tráfego de influências, instalados como se de actos normais se tratassem, foram muitos dos motivos que evocou, entre outros que tenho dificuldade, por decoro ou até mesmo vergonha, de aqui reproduzir.
Estou a falar de alguém que sabe, que tem experiência, que já desempenhou vários cargos importantes, que conhece bem o país, conhece bem a vida política e a vida partidária. E, portanto, é alguém com a maior credibilidade, com serenidade e seriedade.
Mas retenho, ainda, uma outra frase que proferiu, ao longo da conversa: “isto é um pântano, onde se dão bem os oportunistas, os medíocres, os que se servem das estruturas partidárias, dos favores, dos compadrios”.
Acrescentando, ainda: “é desolador para quem, como eu, se envolveu tanto na vida política e na vida pública, chegar à conclusão de que, nestes últimos anos, se foram esvaziando as causas, os valores e os princípios, para se entrar numa área de intervenção onde, literalmente, vale tudo”.
Habitualmente, quando me encontro com amigos, acabo quase sempre, porque é esta a minha forma de ser, por “monopolizar” de alguma forma o diálogo. É um defeito que tenho, sou conversador, gosto do diálogo, mas reconheço que cometo sempre a falha de ocupar a maior parte do tempo, deixando menos espaço para os meus interlocutores.
Desta vez, aconteceu exactamente o contrário. Falei pouco e ouvi muito. Ouvi e, à medida que ia ouvindo, crescia a sensação de angústia, de arrepio, de preocupação. Confesso, inclusive, que passei um resto de dia difícil.
No dia seguinte, ao fazer um percurso que repito algumas vezes, passei na Rua António Carneiro, onde se situa o Centro de Emprego de Matosinhos. Olhei, quase instintivamente, num impulso.
E a verdade é que fiquei, de facto, verdadeiramente estarrecido, porque percebi bem tudo aquilo que tinha ouvido do meu amigo.
Logo pela manhã, o Centro de Emprego de Matosinhos encontrava-se a abarrotar de gente, com algumas dezenas de pessoas que aguardavam cá fora, a maior parte jovens.
Fui a pensar para onde olhavam aquelas pessoas que aguardavam na rua. E concluí que olhavam para o vazio, para o seu futuro sem futuro.
E a verdade é que isto acontece no mesmo país onde, tal como lembrou, na imprensa, o líder do PCP, “os 150 mil euros que alguns gestores de empresas públicas têm auferido davam para o salário de 20 anos de trabalhadores como os da Jado Ibéria de Braga”.
A verdade é que isto acontece num país em que empresas como a PT pagam prémios de desempenho aos seus gestores e administradores que nos deixam a todos verdadeiramente chocados. Só em 2009, dão, agora, conta as notícias que têm vindo a público, a PT pagou sete milhões de euros a administradores. Só o administrador Rui Pedro Soares, recebeu um milhão de euros em prémios.
A verdade é que isto acontece num país onde só o ex-presidente da REN recebe, no ano passado, um prémio de 243,8 mil euros relativo ao seu desempenho em 2008, de acordo com o relatório de Governo Societário da REN.
Enquanto isto, os mais idosos têm de sobreviver com reformas que pouco mais dá do que para pagar a farmácia – e quando dá! Enquanto isto, os jovens, que tanto investiram no seu futuro, não encontram uma “porta” que se abra e lhes dê uma oportunidade. Enquanto isto, milhares de cidadãos vivem o desespero e a angústia de um desemprego de longa duração. Enquanto isto, as famílias endividam-se cada vez mais. Enquanto isto, aumenta a pobreza um pouco por todo o país.
Isto é, de facto, mau de mais para ser verdade!

Narciso Miranda


1 comentário:

JOSÉ MODESTO disse...

Este texto mostra-nos de facto como a situação do país se encontra.
Deveremos e devemos acreditar na mudança, para isso todos temos de trabalhar nomeadamente nos poderes locais (Câmaras Municipais-Juntas etc.etc.) e inverter a situação.

Oposições credivéis e com alternativas devem serem postas ao poder local...não basta termos Deputados (na assembleia municipal) teclando nos computadores..... e os trabalhos de Casa ninguém os faz?

Saudações Marítimas
José Modesto