Ao consultar o livro de “Arquitectura e Indústria em Portugal no século XX”, de José Manuel Fernandes, reconhecido arquitecto, historiador e crítico de arquitectura e urbanismo, verificamos que, nessa mesma obra, são feitas variadíssimas referências a um prédio extremamente marcante situado no concelho de Matosinhos.
Trata-se do prédio onde funcionaram as indústrias de conservas da “Algarve Exportadora” e da “Rainha do Sado”, da autoria do arquitecto António Varela.
Recorde-se que o edifício da “Algarve Exportadora” data de 1938, tendo sido inaugurado um ano depois, enquanto a “Rainha do Sado”, surge em 1941.
A esta fábrica são feitas referências, entre outros, na Revista de Arquitectura Portuguesa (edição nº 40), em 1938, como sendo um importante exemplar da arquitectura moderna em Portugal.
Afirma-se, nessa mesma revista: “Em Matosinhos, ao contrário do que vinha a acontecer, aparecem, pela primeira vez, edifícios destinados à indústria, desenhados de raiz, para responderem, de uma forma eficaz, ao programa que se exige. Longe vão os tempos em que os edifícios destinados a fins industriais nada mais eram que edificações comuns, grandes casas, extensos edifícios, de muitas portas e janelas, e era tudo”.
As duas fábricas constituem um conjunto arquitectónico modernista, de linguagem racionalista, que apresentam nas diversas fachadas. Apesar de estarmos perante um conjunto do qual só restam as fachadas, as paredes interiores e os elementos de suporte da cobertura, as referências racionalistas estão, ainda, bem patentes nas diversas alçadas.
Por isso mesmo, constituem um marco, uma referência importante da nossa arqueologia industrial e fazem parte da memória colectiva dos matosinhenses.
Permitir a demolição do que resta deste edifício, sobretudo da carcaça dos edifícios industriais que ali estiveram instalados, é dar cobertura a uma estratégia especulativa, com sucessivas tentativas, através dos mais variados projectos imobiliários que, à medida que iam sendo inviabilizados, ou que o próprio mercado os não conseguia absorver, iam aguçando, cada vez mais, o apetite da especulação.
Ora, a autarquia não pode funcionar ao sabor do mercado e, muito menos, ao sabor dos interesses do proprietário destas indústrias, ou do intermediário que, normalmente, nem identificado aparece, mas que pretende avançar com processos verdadeiramente especulativos.
O que a Câmara deve é preservar o que resta destes edifícios, sobretudo a carcaça industrial, e notificar o seu proprietário, no sentido de criar as condições necessárias para impedir a sua demolição, mesmo que, depois, avance com a sua aquisição para aí poder desenvolver um equipamento de carácter cultural, seja o Museu de Matosinhos, o Museu da Arquitectura Industrial, o Museu da Indústria Conserveira.
Não se pode, não se deve, não podemos permitir que se apague, assim, um pedaço da nossa história. Matosinhos e os matosinhenses não esquecem. Não querem esquecer. Não vão deixar esquecer.
Narciso Miranda
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Arqueologia industrial de Matosinhos
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