quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

As contas que ignoram a crise

A crise que atravessamos não tem paralelo com outras crises vividas pela actual geração. A presente conjuntura é extremamente complexa para que possa antecipar-se com algum rigor o regresso à estabilidade económica.
Pode dizer-se que esta crise, tendo vindo para ficar, atinge de forma indiscriminada todos os sectores da sociedade portuguesa. Com efeitos práticos, mais contundentes, nos mais fracos: pequenas e médias empresas, famílias mais carenciadas, jovens, idosos e desempregados.
Há inúmeras famílias em situação próxima do desespero. Há idosos e reformados sem meios sequer para satisfazer as necessidades básicas. Sem recursos que lhes permitam encarar com alguma esperança o dia seguinte.
Há jovens que lutam desesperadamente pelo primeiro emprego. Outros procuram com amargura não perder os precários empregos - conseguidos sabe Deus com que dificuldades. Outros ainda, tendo concluído com êxito, e com assinalável esforço, os seus cursos académicos, encontram barreiras insuperáveis para colocar a ciência e técnica adquirida ao serviço da comunidade, num emprego minimamente compatível com a sua formação. Conseguem por vezes – e mesmo assim, com uma incrível dose de sorte à mistura – algumas ocupações completamente desajustadas do seu perfil.
Há licenciados em Direito a balconistas, há licenciados em Engenharia a secretários, há licenciados em Jornalismo a administrativos, há toda uma panóplia de detentores de cursos superiores a enveredar por “carreiras” completamente ao arrepio das suas vocações. Os salários auferidos – é natural – são baixíssimos, as regalias sociais também.
O quadro que descrevo não é novidade para ninguém. É uma situação que toda a população conhece. É uma situação que leva as famílias a uma vida apertada, a contenção de despesas, a poupanças em tudo o que envolve compras e gastos.
Cenário real que levaria os gestores dos dinheiros públicos, desde que ponderados, sensatos e comedidos, a usar de extrema prudência na forma de investir e de gastar: investir no desenvolvimento e satisfazer o leque diversificado de despesas correntes.
O rigor e o sentido de responsabilidade que a gestão da causa pública exige – qualquer que seja a conjuntura, esclareça-se – toma ainda maiores proporções num quadro social de pobreza e miséria como o que atravessamos.
Acontece que, a nossa autarquia tinha previsto um volume de despesa equivalente ao de receitas: cem milhões de euros.
A execução financeira decorrente das opções tomadas situa-se nos 65%!
Depois de ter previsto um investimento próximo de metade da receita, acabou por não ficar bastante abaixo dos 30% da previsão da receita total.
Claro que pode questionar-se a razão de tão baixo volume de investimento; a resposta não pode ser mais clara. Dispararam as despesas correntes, absorvendo a parte de leão da receita. Isto – é oportuno lembrá-lo – num ano que contou com avultadas entradas de dinheiro, como exemplo: sete milhões de euros provenientes do negócio feito com a Indaqua e dois milhões da Galp.
Com receitas tão generosas e tão escasso investimento público, era presumível uma situação financeira tranquila e confortável. Contudo, esta não é a realidade actual. É evidente que quando uma única pessoa factura à Câmara, em dois anos, mais de um milhão, não me enganei, mais de um milhão de euros está tudo esclarecido.
Lá estão os gastos gigantescos com prestadores de serviços diversos a sugar as verbas. São facturas, são muitos euros, com muitos zeros a tornar inviável a estabilidade. E a dar razão que é necessário retomar o rumo!