Deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, acontece a muita gente.
Por mim, sou capaz até de nem hoje fazer o que já ontem devia ter feito.
Então no que respeita ao Euromilhões é sempre à última hora. Filas de fim de tarde de sexta-feira, que bem podia evitar. Todas as semanas procuro convencer-me de que na próxima, bem a tempo – aí pela quarta ou quinta-feira - lá encostarei a barriga ao balcão uma vez mais na vã tentativa de engrossar o grupo de “excêntricos” criados por aquelas bolinhas mágicas.
Li algures que somos o país que mais aposta no euromilhões - cerca de nove milhões de apostas. Desconheço, se a publicidade que a este concurso se faz nos outros países, é parecida com a que por cá se faz. Entre nós, o apelo à participação no concurso parece espelhar uma certa mentalidade bacoca que, noutros tempos teria feito furor!
Para que quer uma pessoa afinal ser milionária? Qual é o sonho que a estimula, qual é a imagem que associamos a quem dispõe de muitos milhões? É a figura de um empreendedor, de um homem de negócios, de alguém que irá contribuir para o bem estar dos outros?
Nada disso! O Euromilhões serve para “criar excêntricos”. A riqueza é o direito ao esbanjamento, ao luxo absurdo, é a entrada no paraíso de ter quem lhe satisfaça os caprichos a uma simples ordem!…
De acordo com o estereótipo nacional, um milionário é um inútil que gasta a rodos o dinheiro que não lhe custou ganhar. E, não deixa de ser intrigante que aceitemos com bonomia, e, até com aplauso, alguém que tendo com poucos euros obtido milhões desbarate a sorte, sem nada de duradouro construir.
Os ricos que progridem à custa do seu trabalho e do seu sucesso – há destes, meus senhores! – são normal e injustamente olhados com desconfiança, com uma inveja disfarçada sempre pronta a descobrir a ronha ou a manha que lá no fundo poderá explicar esse sucesso que os outros não conseguiram.
No Euromilhões é a sorte quem dita o destino. Nem trabalho, nem talento, nem risco. Tanto pode ser aquele, como este, como qualquer de nós o sortudo. Justiça mais democrática, não há!
E é por isso que todas a sextas-feiras, com um olho na Marisa Cruz e outro nas bolinhas, milhões de portugueses esperam um dia poder imitar os Senhores Silvas de Portugal num passeio de “limusina” no deserto, com motorista, acompanhante, ar condicionado e bar aberto.
Nada a objectar, quanto à forma como cada um gasta o que é seu. O tipo de publicidade oficial - esse sim – é que pede reparos, já que, em vez de convidar os “felizardos” a jogar por uma causa social, fazendo alguma pedagogia, informando e formando, procura criar a fúria de ser rico e ganhar todo o dinheiro do mundo!
O que é que eu faria com todo aquele dinheiro?
Muita coisa, menos comprar uma caravana para ir ao Paris-Dakar, e muito menos um Jarvas!…
Heitor Ramos